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Estou num restaurante asiático, daqueles que agora já não são chineses nem japoneses nem coreanos, juntaram-se todos no mesmo tacho. Então, ela entra, ou talvez já lá estivesse e se tenha posto de pé – o simbolismo de uma pessoa sentada não é o mesmo. É como se entrasse, como um sol esperado há muito. E não há qualquer pretensão romântica nesta expressão. Ela não é particularmente bonita. É um ser humano dourado de um cabelo que estica os braços e nos toca, despertando-nos do Inverno. É magra, delicada, sobriamente vestida a preto e branco, de mãos dadas com a sua pele. Não é assim tão alta para os padrões da sua terra – para aí 1m90. Senta-se. Traz um tabuleiro com o prato reflectidamente decorado de alimentos saudáveis. Come com calma. Mastiga o prazer de estar sentada a contemplar o branco atípico das paredes – de mãos dadas com a sua pele. É então que, cintilante, o pequeno tesouro se ergue nas suas mãos como uma pomba revelada pelo ilusionista. Um pequeno livro, Penguin de certeza. Começa a ler e esquece o prato e a comida. Esquece a coca-cola que se esvai numa hemorragia de gás. Esquece o empregado que levanta os pratos e atabalhoadamente pergunta se «quele soblemesa». Esquece o mundo. Vira as páginas. Entretanto, vou encher o prato e passo por ela. Minutos depois, um cliente berra com o empregado por este o ter salpicado de molho de soja. Depois, entra a polícia para prender um velho ditador sul-americano que comia chop suey como quem escolhe entre Estaline e Hitler. Entretanto, uma cliente perde os sentidos e estatela-se, abrindo uma frincha no chão com o baque dos seus anéis. É dessa forma que se descobre um antigo túnel escavado no tempo em que Vale e Azevedo era presidente do Benfica. De seguida, o Rancho Folclórico da Casa do Povo de Guilhufes irrompe pelo estabelecimento acompanhado pela Orquestra Sinfónica do Bahrein, para tocar uma versão de «Saturday Night Fever». Depois, dá-se um golpe militar que coloca no poder o General Motors, seguido do respectivo contra-golpe que devolve o governo ao Capitão Iglo. Entretanto, descobre-se que um dos cogumelos chineses é, afinal, atómico e, atónito, o vegetal explode em pleno restaurante. A seguir, o mundo acaba. Ela fecha o livro. Fica dois segundos a olhar para o desenho da história no ar, deixa o dinheiro em cima da mesa e sai, sorridente, para ir dar um passeio. Damon at 6:17 da tarde
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outras praias
where words come together as waves, blue and beautiful, dying in the whiteness, but repeating themselves like music notes, from sunrise to sunset to sunrise again. um livro: «Saudades de Nova Iorque», de Pedro Paixão. um filme: «Memento». um disco: «King of limbs», Radiohead. |