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A distância Não chores, rapariga dos olhos grandes. Não deixes que a água te sufoque e que os soluços substituam a música das palavras. Chora, então, se quiseres. Deixa, então, que o jacto salgado te liberte de um peso que verga o teu jovem corpo. Agora, tem calma. Só cá estamos os dois: eu e tu na mesma praia, em frente ao mesmo mar. Só nos separa o nome dos continentes. Toca na água ao mesmo tempo que eu e estaremos juntos, de mãos dadas. Mergulha e abraçar-nos-emos. Só nos separam quilómetros. Resta a saudade, é ela que nos une. Damon at 9:30 da tarde
O Café - 1ª parte Não que o líquido escuro lá servido tenha um sabor diferente do de outro lado qualquer. Para alguém que lá vá, não é melhor nem pior. Para mim, é diferente. É o sítio que eu saboreio. É a mesa e a cadeira vazias de corpos e tão cheias de espíritos. É a grande janela por onde se vê a larga avenida. A mítica avenida que conduz a um Sítio de Sonho, mas só se abrandarmos um pouco e virarmos à esquerda. Só se apelarmos à recordação e à liberdade. Foi lá que «eu» nasci, talvez... Passei por lá, aqui há dias. Pelo café, digo, não pelo Sítio de Sonho que esse visito-o todas as semanas – outrora todos os dias – esperando encontrar os mesmos braços estendidos para a imaginação, seja ela boa ou má – na verdade, nunca é má nem boa, é ambas as coisas ao mesmo tempo – e para um amigo que procura outro amigo. Até hoje, as expectativas nunca sairam defraudadas. Então, passei por lá, aqui há dias. Pelo café, como já disse. Entrei naquele centro comercial mais pequeno do que aparenta ser, tão grande na lista de eventos que me encheram os últimos anos – praticamente desde que abriu – e subi as escadas rolantes, como subira outrora acompanhado e depois sozinho e depois novamente acompanhado, chorando soluços no ombro de um ou mais amigos sem que mais ninguém desse por isso. As escadas trepavam e eu deixava-me levar. Por trás de mim, o grande ecrã ria-se e passava filmes da minha vida passada sem que eu me apercebesse. Nem eu nem mais ninguém. Tudo o que conseguíamos ver era uma data de anúncios de t.v. sem imaginação, sobre detergentes ou lojas de electrodomésticos. Ah, mas isso era o que estava ao alcance dos nossos olhos. Eu sei que a minha vida estava a ser mostrada em filme a todos os que a não conseguiam ver. Eu sei que o grande monstro quadrado se ria às gargalhadas da tragédia que ali passei. Exagero, talvez. Dêem-me o benefício da dúvida. As mesas estavam cheias, como era habitual nas tardes de Verão ali refrescadas por um ar condicionado obrigatório. Mas não estávamos no Verão. Antes pelo contrário. A chuva batia com força, gritando na sua voz pesada e repetitiva: «É Inverno!». Então, todos aqueles seres escondidos em grossos tecidos, maioritariamente aos pares, refugiavam-se dela, da chuva pálida e pouco apetecida e buscavam um calor que não conseguiam encontrar sozinhos. À medida que a escada subia, mais mesas surgiam aos meus olhos, cercando-me, apontando as suas setas e ferindo-me. Os atiradores sozinhos nem inimigos eram. Estavam aos pares, por isso, as suas setas se ensanguentavam na minha alma pesada. Tudo isto sem que ninguém reparasse. A música que tocava? Sim, porque a melodia ajudava a esquecer que lá fora chovia e então o responsável aumentava o volume quando a chuva se enfurecia e diminuia quando esta se acalmava. A música que tocava? Nem reparei nela, não me apercebi da canção nem da voz que lhe dava corpo. Nao me pareceu ser nada de especial. Só música, mais nada. Ninguém se importava com isso, de qualquer maneira. Tudo o que eles procuravam – e eu, talvez – era um ruído de fundo que fizesse esquecer... a chuva. Cheguei ao topo. Ao andar de cima, já que como referi antes, o centro comercial parece maior do que verdadeiramente é. Após olhar em volta para os pares que me atacavam sem dar por isso, reconheci um ou dois ex-colegas de escola, uma ou duas ex-amadas e outros tantos conhecidos-de-vista. Não tive medo. A arma que mais me feria já eles tinham utilizado. Não me matariam, com certeza. Com a minha morte, perder-se-ia alguém diferente deles, alguém para atacar em momentos como aquele. Perder-se-iam demasiadas memórias e já não haveria ninguém para os invejar. Peço desculpa, para os admirar. É mentira. Invejei-os naquele momento. Mais do que nunca. E os seus lábios tocavam-se para me ignorar. Para me atribuir a importância que mereço por invejá-los. É verdade. Eu não deveria invejá-los. Só se inveja quem tem mais do que nós. E não é verdade que eles têm mais do que eu? Avancei. Por entres todos aqueles ingénuos inimigos, caminhei. E foi longa a caminhada de alguns centímetros. A grande luz retraía-me os passos. O néon brilhava mais do que nunca aquelas letras que, juntas, formavam o nome do café. O café que eu, se pudesse, baptizaria de novo, mudando o sentido àquelas letras que sem outras letras não fariam qualquer sentido para mim. Aquele café devia ter nome de pessoa. Ou de pessoas... Hesitei. Não entrei de imediato. Só o facto de eu ter ficado ali, especado, à porta do local onde ansiei chegar, tantas vezes, fez com que alguém reparasse em mim. O senhor da tabacaria ao lado. Nunca lá comprei nada. Passava apenas os olhos pelas letras grandes do jornal e seguia rumo ao sítio onde alguém sempre me esperava. Quase sempre – o café. Depois de alguns embaraçosos minutos de observação por parte do senhor do qual não me lembro o nome por nunca o ter visto antes, arranjei uma coragem tão fraca como a cobardia que normalmente mostro, e avancei. Pedi um café sem que preciso fosse perguntarem-me alguma coisa e fui sentar-me ao fundo, no local mais escondido daquele recinto. A cadeira conhecia-me e a mesa também. Então, percebi que os fantasmas existem, mas não nos perseguem. Somos nós que os perseguimos a eles. E eu deixei-me ir atrás deles. Tudo começou na época em que tudo parece fácil e, por isso, mais difícil se torna. Quase sem dar por isso, aquela pele clara e jovem e aquele sorriso malicioso e aquele corpo e aquela voz – sobretudo o aspecto físico despertou em mim algo que já sentira antes apesar da ilusão de que cada vez é diferente da última e da primeira. Só depois, o interior me conquistou e então, apaixonei-me. Aí, começou a ser diferente. Quando me apercebi e quis contar aos amigos – aquele género de segredos que se conta com alegria e entusiasmo como se de uma conquista se tratasse – houve algo que me parou, me colocou noutro filme, num papel de figuração e não de protagonista. Um grande amigo meu tinha ganho esse direito, conquistando aquele coração por mim tão desejado. Chorei sem que ninguém visse os meus olhos molhados. Se alguém tivesse visto, eu não teria sido capaz de os limpar, teria antes disfarçado com uma constipação mal-curada ou «deve ter sido algo que me entrou para o olho» ou ainda «tenho alergia ao ar. E à chuva. E ao Sol. E à neve, apesar de nunca nevar por aqui». De qualquer maneira, eu não tinha o direito de estragar a felicidade de duas pessoas de quem gostava de forma diferente, mas que tinham lugar cativo no meu coração. Julgava eu. Fiz tudo para que não se apercebessem do meu sentimento por aquela adolescente aparentemente rebelde e que, no fundo, comparada comigo, não passava de uma pacifísta consternada. E ninguém se apercebeu. Já nessa altura o café era frequentado pelo grupo que incluía o casal e outros amigos aos quais eu nunca me atreveria a juntar. Não naquele café. Lá, eles brincavam com possíveis casamentos que eu sabia serem impossíveis. Até nos nomes mexiam, por piada, acrescentando o sobrenome dele ao nome completo dela. Não me conseguia rir disso e seria incapaz de explicar porquê se mo perguntassem. Por isso, nunca me juntava. Não naquele café. Passou pouco tempo. O inevitável aproximava-se e penso que não foi longe dali que o romance acabou sem glória para nenhum dos lados. Não tenho a certeza se foi naquele ou noutro café ou em casa de alguém, mas sei que não pode ter sido longe porque tudo estava ali tão perto... Demasiado perto. E a esperança renasceu juntamente com uma pena sincera de que aqueles meus amigos não tivessem sido felizes juntos. Podia ter festejado a derrota daquele relacionamento mas, também, não era nenhuma vitória para mim. Aproximei-me dela. E ela aceitou a aproximação, ignorando a verdadeira razão. Sim, foi no carro que, passadas poucas semanas, lhe contei o que ela parecia ter percebido já há algum tempo – que a amava. Sim, foi dentro do meu carro, com aquele chato de merda do «amigo» dela a bater no vidro e a querer entrar – no carro e na conversa – que eu lhe mostrei o que sentia. Não precisei de pronunciar as palavras mágicas para que ela me entendesse. A linguagem é universal. Vê-se nos olhos, nas mãos, nos lábios, em tudo mais do que nas palavras. E ela percebeu-me. Entendeu-me. Compreendeu-me. Aceitou-me... como amigo. E foi para aquele café que fui chorar mais uma vez em silêncio a perda de mais um sonho, talvez de uma ilusão. Foi ali, sentado na cadeira que ainda não me conhecia bem nessa altura, que eu os vi falar sem perceber – nem procurar perceber – nada do que diziam. Sorriam-me e disso eu apercebia-me. Saí dali e fui para casa chorar durante meses. (...) Carlos Luís Ramalhão Damon at 3:58 da tarde
Saí de casa, manhã cedo, para retomar um hábito há já algum tempo perdido. Aproveitando o azul do céu e a luz do Sol como guias, fui a pé em direcção à cidade onde tantas vezes me encontrei. Apoiado pelo inevitável discman, caminhei a uma velocidade despercebida, pensando em TI e em NÓS. Também fiz as inevitáveis comparações entre a jornada que passa e tantas outras em que percorri exactamente o mesmo caminho. As manhãs de sábado costumavam ser assim, no tempo em que castelo se escrevia com acento de circunflexo. Eram os tais tempos agridoces. Sim, porque a depressão fazia de mim uma cria sua, por essa altura e, no entanto, tenho saudades dos beijos do vento, da sua voz feminina que me consolava quando outras vozes do mesmo sexo me expulsavam do caminho da sua respiração. Foi então assim que passei grande parte da manhã de hoje. Chegado lá, à cidade onde outrora tentei erguer um jardim, procurei o companheiro que, no Sítio de Sonho, supostamente despertaria para o mesmo dia que eu. Verificando que ainda viajava pela realidade da fantasia, tomei café perto do local de onde parecia que eu nunca sairia e voltei para trás, pelo mesmo caminho, embalado pela música, como sempre, em direcção ao local de partida. E senti-me bem a passear pelo passado, que talvez seja o meu país. O presente não é nada. O futuro ainda não é. E as saudades ficam... Damon at 3:44 da tarde Estava um dia que era noite, Eu tinha ido almoçar Ao mesmo restaurante chinês (Chop suey de galinha, Se te interessa...). À saída, A chuva escorregava por mim, Dava-me de beber a sobremesa E empurrava-me rua abaixo, Obrigou-me a entrar no café. Nunca lá tinha ido. Escolhi uma cadeira para me sentar, Uma mesa onde apoiar os braços E procurei alguém Onde os meus olhos pudessem repousar. Ninguém suportava o peso do meu olhar, Ninguém aceitava a proposta que eu fazia, Um visual contrato, momentâneo, Um amor que se faz com os olhos, Instantâneo. Então, senti-me descolorir, Eu era uma televisão daquelas antigas, Em madeira, sem comando e a preto-e-branco, Enquanto os outros eram Pal Plus, Com Dolby Surround e teletexto. Deixei que os olhos descaíssem Como os seios da mulher antiga, Desiludida com as rugas da vida, E foi nesse momento que, sem eu ver, Surgiu um novo ser. Vinha de fora, como eu, Não da chuva nem de outro país; De um outro sítio sem tecto nem chão Nem paredes nem saneamento básico, Um lugar sem espaço. Tal como eu, vi-o descolorir, Tomar a cor cinzenta da diferença E fitar-me com uns olhos que eram verdes Mas perderam a esperança. Sentou-se à minha frente. Foi então que me vi crescer, Os meus braços foram heras. Quis tocar-lhe, ser seu irmão, Desenhei um sorriso e recebi um igual, E momentaneamente fui arco-íris. Mas a sorte é algo que acaba Tantas vezes que assassina a esperança. Vi-o tirar um lenço azul do bolso E percebi. Virei-me para mim próprio e disse: «Ainda não é desta!». Damon Durham Damon at 9:57 da tarde
Estranhas estas ideias, Estes ideais tão fora de moda, O romantismo, tão banal e pegajoso, Tão puro que mete nojo. Maus pensamentos, estes, Não gostar de multidões, Procurar consolo em palavras cantadas Por gente que ninguém conhece: Neil Hannon, Jarvis Cocker, Brett Andersson, Stephen Morrissey, Neil Tennant, Bernard Sumner, Damon Albarn, Thom Yorke, Ian Curtis, Robert Smith, David Bowie, Ian Brown, Louis Elliot, Chris Davies, Tim Booth… São estes os poetas que eu entendo, Os sopros que impulsionam a melodia, É através das suas palavras que eu me invento, Ultrapasso os meus maus pensamentos. E em momentos de maior tensão, Quando relâmpagos saltam dos meus olhos E trovões rebentam da minha boca, São as suas letras que me transportam Através do vento que sopra. Estranha língua a minha, Que diz palavras complicadas, irreais, E estranhos os meus sentidos Que não se prendem a canais radicais e outras coisas mais... Esquisito o meu olhar Que se cola a outros olhares, Procurando estranheza semelhante, Alguém mais do que elegante. E quando parece que está perto E o pegajoso coração não estranha, Essa manha, em pouco tempo, ou se entranha Ou desilude e cai em flocos sobre o chão. E então, a gente normal diz: «É estranho, este rapaz que chora». Damon Durham Damon at 9:56 da tarde
Nós somos os homens sensíveis, Os monstros do mundo embrutecido Pelo dever de parecer mais forte, Somos o esquadrão da morte. Espalhamos nas nossas palavras Sentimentos que largamos como napalm Nos corações das novas mulheres, Que adoecem e se transformam em seres humanos. Só nos faltam antenas, Somos os extraterrestres, A nova etnia hostil, Queremos transformar o mundo Numa amorosa Chernobyl. Conquistamos corações E não territórios, Matamos com carícias E não com Kalashnikov, Sofremos (somos moles Como Molotov). Nós somos os homens sensíveis, A doença que é preciso combater Com armas geladas, olhares de indiferença, Somos a mais incómoda presença. Mas descansem as novas mulheres Que preferem a força das armas E a brutalidade da indiferença, Matam-nos lentamente, Destroem os nossos corpos quentes Com veneno de uma serpente De metal frio, duro e impecavelmente sujo. Talvez a vossa frieza enferruje. Damon Durham Damon at 9:53 da tarde
Dá-me boleia até casa, Mas vamos pelo caminho mais longo, Onde o verde de alguns olhos proibidos Ainda tinja de vida os campos. Transporta-me, velho amigo, Passeia-me por lagos onde o gelo Não seja frio como a dureza dos homens, Seja branco como a pele que eu toco em sonhos. Pára comigo num regato Onde possamos matar a sede De amor ao que resta do mundo, Onde as nossas línguas possam nadar E dos nossos sorrisos pinguem gotas de cristal. Guia-me neste caminho longo, Atravessa comigo as planícies Onde as oliveiras acenam ao céu E as gentes ainda contam as horas do dia. Chegaremos juntos ao outro lado, Onde o Sol adormece todos os fins de tarde Vendo os amores que se fazem nas areias E a espuma que se desfaz no fim da vida. Agarra a melancolia do Inverno E alimenta, com ela, os meus olhos, Dá-lhes a ver aquilo de que são feitos E leva-me a casa, ao meu universo pequenino: O fundo do mar é o meu destino. Damon Durham Damon at 9:51 da tarde
Talvez os meus olhos vejam um pôr do sol que não existe, Talvez seja uma ilusão de óptica, um prazer que só a fantasia poderia dar à luz. Não há nuvens que me dêem boleia até ao fim dos dias, é pena que um dia assim tenha que morrer para dar lugar a outro que será certamente cinzento como as sensações estranhas. Há sensações estranhas que são cor de rosa, outras que não têm cor nem cheiro nem vida. É estranho não ter vida, é quase como estar morto mas dói mais. Dói-me o pôr do Sol, por exemplo. Queria pedir-lhe que ficasse para sempre, guardado no meu olhar há muito esperançoso de um dia assim. Mas o fim existe. Pelo menos na dura realidade, a traição dos meus sonhos introvertidos. Já deves ter reparado que deixo escorregar a alma pelos dedos que martelam nos teclados o ferro que construirá o barco com que me farei ao Tejo, onde um dia deixei ficar uma força mais forte do que a corrente. Fui atraiçoado e levaram-na para a outra margem, para lá de Almada e do horizonte, longe de tudo o que é longe e perto. Conheces-me melhor do que pensas. Sou um livro aberto na página da conclusão, onde são descritos em síntese todos os conteúdos da história, mesmo os mais negros, os que doem. Dói-me a história. Damon Durham. Damon at 9:50 da tarde
Damon at 9:35 da tarde
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outras praias
where words come together as waves, blue and beautiful, dying in the whiteness, but repeating themselves like music notes, from sunrise to sunset to sunrise again. um livro: «Saudades de Nova Iorque», de Pedro Paixão. um filme: «Memento». um disco: «King of limbs», Radiohead. |