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Eu quero Eu quero. Quero ir correr à volta da grande árvore no centro do jardim. Se não estivesse frio, se eu não estivesse constipado, apetecia-me tirar a roupa toda, expor-me aos olhos pouco dados a tabus da natureza. Não lhe chamaria exibicionismo, que é muito pouco o que eu tenho para exibir. Chamar-lhe-ia libertação. Eu quero. Quero ser livre e poder dizer coisas bonitas sem que me levem para a prisão, para o pé de pedófilos, pedrastas e poetas. Aí nada me poderia fazer sentir livre. Nem a hora da visita. Eu quero. Quero mandar um berro que se oiça num raio de muitos quilómetros, para lá do prédio que parece um isqueiro. Que se oiçam as minhas palavras loucas na zona dos arrogantes azuis, pequeninos e maníacodepressivos. Eu quero. Quero cantar desafinado letras de Neil Hannon e músicas de Yann Tiersen e outras palavras disparatadas que eu tenha inventado sem dar tempo aos dicionários para que se actualizem. Eu quero. Ser livre Damon at 10:53 da manhã
Às vezes, lembro-me Do barulho que as pedras fazem Quando as chutamos Contra o muro de cimento grosseiro Ou o portão de ferro forjado Por mãos antigas. Depois, lembro-me Do som das folhas Que estalam debaixo dos pés, Cantando o Outono E as vindimas. E a respiração pequenina, A mochila às costas, De pano com um combóio desenhado E cheia de livros que cheiram bem, Cheiram ao desejo de conhecer. E a campainha que chama, Inquieta, gritando os nossos nomes Todos da mesma maneira, Todos com o mesmo carinho E a mesma preocupação. E o grito da voz de todos, A corrida pela terra que levanta O pó verdadeiro das aldeias, A mistura de aromas intocados, A alegria de viver longe dos edifícios cinzentos. Às vezes, Lembro-me Do ar puro. Damon Durham. Damon at 10:56 da tarde
Damon at 9:50 da tarde
Não te convido para tomar café Porque não quero que vejas As lágrimas que moldam o meu rosto, Esse calcário pouco fiável Que não serve para construir prédios na baixa. «Nada magoa mais Do que a dor de alguém que amamos» E pior do que a dor É a ignorância. Queria libertar-me do silêncio Mas não posso. Não fugi para aqui, Eu já cá estava Quando alguém fechou as portas e guardou a chave Do sonho; a única que me pode libertar. Queria falar contigo Mas já só sei escrever, As palavras fogem-me da língua, Escolhem outras direcções. Por isso, desculpa se não saio, Não posso, estou preso, Agarrado à espera que me mata Na ambição de querer ser alguém Para alguém. Damon Durham. Damon at 7:00 da tarde
Let’s be afraid Here they come, The scary monsters, super creeps, With acid tongues And heavy metal lips They shall multiply, They shall catch your eye, They shall smile And impose their lifestyle It’s not a menace but Let’s be afraid Fear is useless but Let’s be afraid Just for a while Here they stand, The pretty monsters, silly cone lips, With heavy pockets Still asking for a tip They shall multiply, They shall follow you home, They shall be on t.v. And you shall not be alone They’re stupid machines but Let’s be afraid They look like Mr. Bean but Let’s be afraid They shall multiply Let’s be afraid Just for a while Let’s be afraid The piano plays horror sounds Through the door, walks the shadow Of skull-looking clowns, And no one dares to go down, Where the dogs aren’t yet asleep And courage seems a waste of time, A big mistake, Let’s be afraid. Damon Durham. Damon at 11:08 da manhã
Ele costumava brincar na areia das obras eternamente esquecida ao fundo do jardim. Levava o balde e a pá azuis e fazia sopa de terra e folhas. Quando aprendeu a andar de bicicleta, ele fazia corridas contra ele próprio à volta da grande árvore no centro do jardim. Depois de jantar, no Verão, quando os dias não queriam deitar-se, era vê-lo fazendo o relato da corrida contra os seres imaginários. Ele fazia do espaço entre os móveis e o chão da sala garagens para que as famílias estacionassem os seus carros e achava que cada família devia ter, pelo menos, um carro pequeno, um carro grande, um jipe, uma spacewagon e um desportivo. Não o fazia por mal. Não conhecia outro mundo para lá do seu. Ele também construía castelos com peças de Lego mas nunca como pediam as instruções. Começou cedo a apresentar programas de televisão onde se entrevistava a si próprio e aos convidados invisíveis. Tentava imitar o «mestre» Carlos Cruz. O seu programa preferido era o de Natal. Junto à árvore, ele conduzia uma emissão especial que durava a tarde toda, a não ser que estivesse gente na sala. De vez em quando, já sabendo escrever, ele tinha a mania de se pôr a anotar tudo o que a família dizia. E fazia concursos. Principalmente de cultura geral. Ele tinha os cabelos negros como eu; os olhos castanho-escuros como eu; a pele morena como eu; era gordo como eu; mas era mais pequeno. Tenho muitas saudades dele! Damon at 11:01 da manhã
Damon at 11:42 da tarde
Eu e o Bowie tínhamos combinado encontrar-nos num café de Leça. Eu cheguei um pouco antes do tempo, por isso, aproveitei o dia pouco comum nesta altura do ano para dar um mergulho. Tirei a roupa e no fim, antes de calcar a água, olhei o monte de tecido que resultara do meu desnudamento. Nu, entrei na água cristalina mas, por mais que quisesse livrar-me de uma cobertura, aos meus olhos, os meus braços, o meu peito, as minhas pernas, apareciam sempre vestidos, «introvertido corpo o meu», pensei. Mal saí da água, estava seco e pronto para ir até ao café combinado. O monte de roupa tinha desaparecido, roubado certamente por alguém demasiado genuíno. Atravessei a rua na passadeira e, por segundos, eu chamava-me John, Paul, George e Ringo e aquela rua chamava-se Abbey Road. O Bowie, que já estava à minha espera, acenou com a cabeça em sinal de desaprovação. Eu sorri e senti os vértices dos lábios tocarem nas orelhas. Cumprimentei o meu colega, que retribuiu com um esgar pouco ortodoxo. Seguimos lado a lado sem que dos nossos lábios saísse qualquer som. Sentámo-nos ao pé de um tipo de bigode e chapéu que rabiscava num papel versos que ninguém queria ler. De repente parou para mandar uma Mensagem sms que eu nesse momento soube, iria fazer história. Pedimos café, os dois. Enquanto mexíamos a mistura escura, misturando-a com açúcar, o Bowie olhou-me com ambos os olhos e perguntou: «pensaste no que eu te disse?». Eu respondi: «O quê?». Após um vislumbrar do horizonte, Bowie, antes de se calar para sempre nesta manhã, disse: «We could be heroes just for one day». Damon at 2:25 da tarde «My funny valentine» toca na voz do Elvis Costello. O quarto enche-se da escuridão que eu criei quando apaguei a luz. Acendi uma pequena vela perfumada, baratinha, para que me dê o sol de que eu preciso neste momento. Desliguei o telefone há pouco tempo. Talvez tu o saibas melhor do que ninguém. «My funny valentine» não anda por perto. Está presente apenas no estado líquido, que é o estado da música. Estou sozinho com todas as imagens que se multiplicam na minha cabeça. Estou sozinho com o mundo. Se pudesse, facilmente trocaria o mundo pela «My funny valentine». Damon at 10:04 da tarde
All these melancholic losers Staring at the sea With eyes glued to the water, They kind of look like me. Their lives have been broken By people of the opposite sex. They had never spoken Of what would happen next. They stare at an ocean, They stare at a mirror, probably, Looking for imaginary reasons For being so desperate and unhappy. They stare at the empty seat Which begs for a butt, next to them. They neither drink nor eat, They just live as they can, and say: «Why do people complain That we never smile? When they should take the blame For treating us so fine And then, leaving us behind With but an ocean to stare at. At least, it’s better than to stay home, Eating pizza and getting fat.» They stare at the sea, Waiting for a ship that never comes. Then, they pick-up a pen And find out they’re the ones Who will probably write a novel Or the lyrics for a song, But they’ll never be happy As they will be almost alone, With the sea to stare at, With its foggy coat, so white, With a tear wrinkling their skins And another sad thought to write. Damon Durham Damon at 12:39 da tarde
I sat here, With perfection before my eyes, My tender tips touched the female fruits, As they would caress the skies. Your eyes, they turned. Such strength they showed, As if they could burn A million miles of land. I touched a skin, One that isn’t totally yours. It’s owned by sin, That hides beyond your looking doors. I touched you But still, I didn’t reach you. So, I polished my hands In water and sand, I cut my fingernails And brought out my deepest male But still, I didn’t reach you. I touched you, But I didn’t reach you. You see, I’m powerful enough To scratch the Sun, And I swear my tender love Is as honest as no man, And my soul is as pure As Earth, a million years ago But still, I’m not strong enough To reach you. I touched you, But I did not reach you. With that grace in your face And the glory in your eyes, You picked my wrinkled hand And punished me for lies I had left, so long ago, In a place nobody knows And only you can reach. You reached me. I could burn my own eyes, I could turn and start to cry, I could even be myself But still, I would never reach you. I can touch you, But I’ll never reach you. Damon Durham Damon at 12:37 da tarde
Damon at 2:08 da manhã
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outras praias
where words come together as waves, blue and beautiful, dying in the whiteness, but repeating themselves like music notes, from sunrise to sunset to sunrise again. um livro: «Saudades de Nova Iorque», de Pedro Paixão. um filme: «Memento». um disco: «King of limbs», Radiohead. |