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sábado, fevereiro 08, 2003
Eu quero

Eu quero. Quero ir correr à volta da grande árvore no centro do jardim. Se não estivesse frio, se eu não estivesse constipado, apetecia-me tirar a roupa toda, expor-me aos olhos pouco dados a tabus da natureza. Não lhe chamaria exibicionismo, que é muito pouco o que eu tenho para exibir. Chamar-lhe-ia libertação. Eu quero. Quero ser livre e poder dizer coisas bonitas sem que me levem para a prisão, para o pé de pedófilos, pedrastas e poetas. Aí nada me poderia fazer sentir livre. Nem a hora da visita. Eu quero. Quero mandar um berro que se oiça num raio de muitos quilómetros, para lá do prédio que parece um isqueiro. Que se oiçam as minhas palavras loucas na zona dos arrogantes azuis, pequeninos e maníacodepressivos. Eu quero. Quero cantar desafinado letras de Neil Hannon e músicas de Yann Tiersen e outras palavras disparatadas que eu tenha inventado sem dar tempo aos dicionários para que se actualizem. Eu quero. Ser livre

Damon at 10:53 da manhã

sexta-feira, fevereiro 07, 2003

Não sou da cidade

Às vezes, lembro-me
Do barulho que as pedras fazem
Quando as chutamos
Contra o muro de cimento grosseiro
Ou o portão de ferro forjado
Por mãos antigas.

Depois, lembro-me
Do som das folhas
Que estalam debaixo dos pés,
Cantando o Outono
E as vindimas.

E a respiração pequenina,
A mochila às costas,
De pano com um combóio desenhado
E cheia de livros que cheiram bem,
Cheiram ao desejo de conhecer.

E a campainha que chama,
Inquieta, gritando os nossos nomes
Todos da mesma maneira,
Todos com o mesmo carinho
E a mesma preocupação.

E o grito da voz de todos,
A corrida pela terra que levanta
O pó verdadeiro das aldeias,
A mistura de aromas intocados,
A alegria de viver longe dos edifícios cinzentos.

Às vezes,
Lembro-me
Do ar puro.

Damon Durham.

Damon at 10:56 da tarde

quarta-feira, fevereiro 05, 2003

Às vezes, as palavras fogem para um lugar incerto, refugiam-se numa gruta guardada pelo silêncio e então não sabemos o que dizer. Talvez este fosse o momento certo para dizer tanta coisa sobre tantas coisas... Talvez eu esteja a perder uma oportunidade para contar ao mundo realidades que as outras pessoas não conseguem ver. Mas não o consigo fazer. Encontrei um amigo antigo, daqueles que se confundem com os números nas velas do nosso bolo de aniversário. E calei-me. Juntei-me à maioria silenciosa, ignorante do poder que a voz tem, ainda maior quando diz coisas que têm sentido. Talvez hoje seja «Domingo no Mundo» que carrego como uma criança no meu ventre masculino. Sim, porque também nós podemos criar. Amanhã digo o que sinto.

Damon at 9:50 da tarde

terça-feira, fevereiro 04, 2003

A repetição do silêncio

Não te convido para tomar café
Porque não quero que vejas
As lágrimas que moldam o meu rosto,
Esse calcário pouco fiável
Que não serve para construir prédios na baixa.

«Nada magoa mais
Do que a dor de alguém que amamos»
E pior do que a dor
É a ignorância.

Queria libertar-me do silêncio
Mas não posso.
Não fugi para aqui,
Eu já cá estava
Quando alguém fechou as portas e guardou a chave
Do sonho; a única que me pode libertar.

Queria falar contigo
Mas já só sei escrever,
As palavras fogem-me da língua,
Escolhem outras direcções.

Por isso, desculpa se não saio,
Não posso, estou preso,
Agarrado à espera que me mata
Na ambição de querer ser alguém
Para alguém.

Damon Durham.

Damon at 7:00 da tarde


Lyrics

Let’s be afraid

Here they come,
The scary monsters, super creeps,
With acid tongues
And heavy metal lips

They shall multiply,
They shall catch your eye,
They shall smile
And impose their lifestyle

It’s not a menace but
Let’s be afraid

Fear is useless but
Let’s be afraid

Just for a while

Here they stand,
The pretty monsters, silly cone lips,
With heavy pockets
Still asking for a tip

They shall multiply,
They shall follow you home,
They shall be on t.v.
And you shall not be alone

They’re stupid machines but
Let’s be afraid

They look like Mr. Bean but
Let’s be afraid

They shall multiply
Let’s be afraid

Just for a while
Let’s be afraid

The piano plays horror sounds
Through the door, walks the shadow
Of skull-looking clowns,
And no one dares to go down,
Where the dogs aren’t yet asleep
And courage seems a waste of time,
A big mistake,

Let’s be afraid.

Damon Durham.

Damon at 11:08 da manhã


Ele

Ele costumava brincar na areia das obras eternamente esquecida ao fundo do jardim. Levava o balde e a pá azuis e fazia sopa de terra e folhas. Quando aprendeu a andar de bicicleta, ele fazia corridas contra ele próprio à volta da grande árvore no centro do jardim. Depois de jantar, no Verão, quando os dias não queriam deitar-se, era vê-lo fazendo o relato da corrida contra os seres imaginários. Ele fazia do espaço entre os móveis e o chão da sala garagens para que as famílias estacionassem os seus carros e achava que cada família devia ter, pelo menos, um carro pequeno, um carro grande, um jipe, uma spacewagon e um desportivo. Não o fazia por mal. Não conhecia outro mundo para lá do seu. Ele também construía castelos com peças de Lego mas nunca como pediam as instruções. Começou cedo a apresentar programas de televisão onde se entrevistava a si próprio e aos convidados invisíveis. Tentava imitar o «mestre» Carlos Cruz. O seu programa preferido era o de Natal. Junto à árvore, ele conduzia uma emissão especial que durava a tarde toda, a não ser que estivesse gente na sala. De vez em quando, já sabendo escrever, ele tinha a mania de se pôr a anotar tudo o que a família dizia. E fazia concursos. Principalmente de cultura geral. Ele tinha os cabelos negros como eu; os olhos castanho-escuros como eu; a pele morena como eu; era gordo como eu; mas era mais pequeno. Tenho muitas saudades dele!

Damon at 11:01 da manhã

segunda-feira, fevereiro 03, 2003

Estou perto do sítio onde o sol não chega. Onde o som do silêncio é o mais terrível ruído. Esta noite apeteceu-me conduzir mar adentro, sem fronteiras entre nós e a água e o horizonte escuro. A dança das armas não pára. Em redor da minha cabeça, as bailarinas da morte esperam a minha ordem para disparar. Disparatar. É isso que eu estou a fazer, não é? Sinceramente, neste momento, apenas me interessa que as palavras que ardem como ferros em brasa se libertem da minha alma através do meu corpo: dos meus olhos, da minha boca e dos meus dedos. Há muito que o desejo inconfessado se repete nos meus ouvidos pelo lado de dentro. Há muito que a frase aparece quando eu não a quero, personificando a vontade de alguém que deve estar dentro de mim. Alguém que me quer dar uma viagem. Viajei tanto. Saboreei o vento na barca dos sonhos, enfrentei as tempestades de pé, sem me agarrar a nada a não ser os amigos e as coisas invisíveis que tenho na alma. Saboreei o vento. Nada mais. Queria um outro sabor, esse sim já confessado. Estou cansado. Estou embriagado e a substância que me drogou veio de dentro de mim. Devo ter algum cigarro com a ponta ardente encostada ao meu peito porque é isso que eu sinto. Gosto de Shakespeare. Li demasiado. Vi demasiados filmes. A vida é outra história...

Damon at 11:42 da tarde


«Heroes»

Eu e o Bowie tínhamos combinado encontrar-nos num café de Leça. Eu cheguei um pouco antes do tempo, por isso, aproveitei o dia pouco comum nesta altura do ano para dar um mergulho. Tirei a roupa e no fim, antes de calcar a água, olhei o monte de tecido que resultara do meu desnudamento. Nu, entrei na água cristalina mas, por mais que quisesse livrar-me de uma cobertura, aos meus olhos, os meus braços, o meu peito, as minhas pernas, apareciam sempre vestidos, «introvertido corpo o meu», pensei.
Mal saí da água, estava seco e pronto para ir até ao café combinado. O monte de roupa tinha desaparecido, roubado certamente por alguém demasiado genuíno. Atravessei a rua na passadeira e, por segundos, eu chamava-me John, Paul, George e Ringo e aquela rua chamava-se Abbey Road. O Bowie, que já estava à minha espera, acenou com a cabeça em sinal de desaprovação. Eu sorri e senti os vértices dos lábios tocarem nas orelhas. Cumprimentei o meu colega, que retribuiu com um esgar pouco ortodoxo. Seguimos lado a lado sem que dos nossos lábios saísse qualquer som. Sentámo-nos ao pé de um tipo de bigode e chapéu que rabiscava num papel versos que ninguém queria ler. De repente parou para mandar uma Mensagem sms que eu nesse momento soube, iria fazer história. Pedimos café, os dois. Enquanto mexíamos a mistura escura, misturando-a com açúcar, o Bowie olhou-me com ambos os olhos e perguntou: «pensaste no que eu te disse?». Eu respondi: «O quê?». Após um vislumbrar do horizonte, Bowie, antes de se calar para sempre nesta manhã, disse: «We could be heroes just for one day».

Damon at 2:25 da tarde

domingo, fevereiro 02, 2003

Domingo à noite

«My funny valentine» toca na voz do Elvis Costello. O quarto enche-se da escuridão que eu criei quando apaguei a luz. Acendi uma pequena vela perfumada, baratinha, para que me dê o sol de que eu preciso neste momento. Desliguei o telefone há pouco tempo. Talvez tu o saibas melhor do que ninguém. «My funny valentine» não anda por perto. Está presente apenas no estado líquido, que é o estado da música. Estou sozinho com todas as imagens que se multiplicam na minha cabeça. Estou sozinho com o mundo. Se pudesse, facilmente trocaria o mundo pela «My funny valentine».

Damon at 10:04 da tarde


Staring at the sea

All these melancholic losers
Staring at the sea
With eyes glued to the water,
They kind of look like me.

Their lives have been broken
By people of the opposite sex.
They had never spoken
Of what would happen next.

They stare at an ocean,
They stare at a mirror, probably,
Looking for imaginary reasons
For being so desperate and unhappy.

They stare at the empty seat
Which begs for a butt, next to them.
They neither drink nor eat,
They just live as they can, and say:

«Why do people complain
That we never smile?
When they should take the blame
For treating us so fine
And then, leaving us behind
With but an ocean to stare at.
At least, it’s better than to stay home,
Eating pizza and getting fat.»

They stare at the sea,
Waiting for a ship that never comes.
Then, they pick-up a pen
And find out they’re the ones

Who will probably write a novel
Or the lyrics for a song,
But they’ll never be happy
As they will be almost alone,

With the sea to stare at,
With its foggy coat, so white,
With a tear wrinkling their skins
And another sad thought to write.

Damon Durham

Damon at 12:39 da tarde


Reach you

I sat here,
With perfection before my eyes,
My tender tips touched the female fruits,
As they would caress the skies.

Your eyes, they turned.
Such strength they showed,
As if they could burn
A million miles of land.

I touched a skin,
One that isn’t totally yours.
It’s owned by sin,
That hides beyond your looking doors.

I touched you
But still, I didn’t reach you.

So, I polished my hands
In water and sand,
I cut my fingernails
And brought out my deepest male
But still, I didn’t reach you.

I touched you,
But I didn’t reach you.

You see, I’m powerful enough
To scratch the Sun,
And I swear my tender love
Is as honest as no man,
And my soul is as pure
As Earth, a million years ago
But still, I’m not strong enough
To reach you.

I touched you,
But I did not reach you.

With that grace in your face
And the glory in your eyes,
You picked my wrinkled hand
And punished me for lies
I had left, so long ago,
In a place nobody knows
And only you can reach.

You reached me.

I could burn my own eyes,
I could turn and start to cry,
I could even be myself
But still, I would never reach you.

I can touch you,
But I’ll never reach you.

Damon Durham

Damon at 12:37 da tarde


Não vês que os rios secam e as plantações murcham quando não falas comigo? Não vês que os animais choram e as crianças não dormem descansadas quando não falas comigo? E que o céu empalidece e que as ondas do mar se desmotivam quando não falas comigo? Não percebes que a vida morre quando não se alimenta da tua voz?...

Damon at 2:08 da manhã