lkkk lkjhg
sábado, março 26, 2005


cançao do momento: jeff buckley, «hallelujah»

a produtividade é relativa. nao gosto de, mesmo estando de férias, me sentir inútil. gosto de ter liberdade para escolher o que me apetece fazer, isso sim. mas temo que nao ande a fazer grande coisa.

ontem, de tarde, fui até a foz. eu e eles: o caderno, o livro do Zimler, a máquina fotográfica e a novidade «pendisk-leitor-de-mp3». estivemos juntos sentados na esplanada, a fazer de contas que sabiamos passar uma tarde descansada, sem fazer grande coisa a nao ser olhar o mar. mas é mentira. já passaram esses dias em que eu conseguia ver nas ondas «os segredos contados em sil?ncio». nao que já nao sonhe, seria preciso nao me conhecer para achar que eu já nao sonho... mas reconheço que sao mais ténues as suas apariçoes.

mas a tarde de ontem acabou por ser útil. nao li muito, ando sem paciencia para ler, nao demoro muito a desconcentrar-me e o livro até é muito bom. mas escrevi dois poemas, um dos quais deixo por aqui como prova. também tirei muitas fotografias. uma das minhas preferidas está lá em cima, como uma espécie de ilustraçao para este post. e caminhei. é curioso como eu ando muito mais se estiver a ouvir música. desde que o meu discman inseparável decidiu que era tempo para parar de andar as voltas, que eu andava muito menos. agora, desde que comprei o pequeno objecto a que o meu pai chama «o supositório» (sem comentários... é um leitor de mp3...) que tenho mais vontade de caminhar.

e é curioso. tenho tido tempo. nao me posso habituar, senao...

aqui fica:

Dois cálices de vinho do Porto

Dois cálices de vinho do Porto, vazios…
No seu tempo – quando estavam cheios,
Quentes, fortes, corados de rubro – fizeram-se
Beber por duas bocas perfeitas.

O vermelho do copo, entontecido
Pelo vermelho da carne húmida,
Ri com os lábios, fala com os lábios,
Numa eternidade pequena de amena cavaqueira.

As duas bocas, quando se riem,
Deixam prever o branco dos dentes
E o verde da esperança de que um fim de tarde
Destes se prolongasse até a manha do dia seguinte.

As duas bocas e os muitos dentes,
Que nao me dei ao trabalho de contar,
Pertencem a duas meninas engraçadas,
Tao portuguesas como o vinho que escorrega
Dos cálices, entre o nórdico e o mulato,
Filhas de vikings e de mouros,
Com os cabelos da cor da madeira
Que fez as promíscuas naus
Que um dia fizeram do mundo seu filho.

Vinte e cinco anos, a mais nova.
A do lado de cá.
Vai contando a outra,
Vinte e sete anos,
Os primeiros dias do emprego.
Ainda se entusiasma
Com os tiques do chefe,
A cor das meias da secretária
Ou as qualidades da fotocopiadora.

Sao irmas,
Daquelas que se fazem ao longo da vida,
Daquelas que nascem de outras m?es e de outros pais.
A mais velha,
A do lado de lá,
Responde muito com os olhos,
Enquanto os lábios se aproximam
Inevitavelmente
Do gosto das uvas mornas.

A intervalos, olham o mar
E imaginam o lado de lá.
A mais nova cobre-se com um casaco de malha,
Sentindo espreitar do céu
Algum olho malandro para o seu decote profundo.

A outra,
A mais velha,
Olha para o relógio,
Um Swatch, como nao podia deixar de ser,
Para alguém tao prático,
E depois olha para o cálice que se esvai
Demasiado depressa.

Chega o empregado e pergunta-me:
-Sao seus estes cálices?
-Nao, já aí estavam quando cheguei.
-Oh, pá, as gajas saíram sem pagar!
-Deixe estar que eu assumo a responsabilidade.
Mas nao sao meus, garanto-lhe.
Aliás, para que quereria eu dois cálices
Se falo sempre na primeira pessoa do singular?


Damon at 1:52 da manhã