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Filmes com cãezinhos Sim, pai, estive a ver filmes com cãezinhos, outra vez. E de novo senti em mim uma cumplicidade que ainda não sei explicar. Estamos em 1988, sou um puto, pouco mais que um bebé que aprendeu a andar e a falar. Já me ensinaram na escola a contar pelos dedos frágeis os oito anos de existência que trago em mim. Muitos sonhos. Muita vida para correr pelas veias. E esta cumplicidade que não sei explicar… Esteve a dar pela milésima vez aquele filme em que o cão, Benji de seu nome, é capaz de mil e uma proezas para salvar vidas humanas. De certa forma, já sinto que é mesmo assim. Sinto-o no nosso Fúria – nunca me identifiquei com o nome, cão tão dócil não é capaz de sentir essa «fúria» – e no Dique de cá e no Dique de quem a minha avó, lá longe, em Santarém, se orgulha como de um filho. Sinto-o nos animais que se aproximam das minhas mãos quentes da brincadeira, na rua. Aqueles de quem todos se admiram que eu não tenha medo. Medo de quê? Das suas línguas húmidas que me acarinham à sua maneira? Do seu pêlo macio que se enternece à passagem dos meus dedos? É esta cumplicidade, talvez mais tarde, quando a barba começar a picar e o acne enfim despertar da minha pele, talvez então eu consiga entender esta solidariedade. Não preciso de te dizer, pai. Estou a chorar e não sei como explicar. Comovo-me facilmente com as patitas do Benji que procuram no ser humano o amigo que existe sempre, ainda que muitas vezes adormecido, na irmandade de sermos todos animais. Mas que digo eu? Tenho oito anos e não me ensinaram ainda estas coisas complicadas. Apenas sei que gosto de brincar com o Fúria enquanto ando de baloiço, sacudindo as pernas que ele tenta ternamente agarrar com os dentes. Sei que somos dois cachorros a crescer quase ao mesmo tempo: ele, um pastor alemão; eu um miúdo luso-britânico. Ainda não sei que havemos de continuar a crescer juntos até à idade adulta, correndo pelos quintais, a ver quem chega primeiro, deixando-nos cair na erva fofa, como dois irmãos. Gosto de ver os filmes do Benji. Ele é simpático, peludo, bonacheirão. Amigo das pessoas. E no filme só os muito maus é que não são amigos dele. Mas, no filme, pai, ele acaba sempre por ganhar. Sem magoar ninguém. A sua audácia salva sempre alguém de cair nas mãos dos malvados. Por vezes, lá magoa uma pata no ramo atrevido de uma árvore mas continua sempre. Depois vêm os créditos finais, com os nomes dos actores. É então que eu choro… E tu adivinhas sempre que estive a ver um filme com cãezinhos. Não estou triste. Pelo menos, conscientemente. Choro de orgulho por um «primo afastado» do nosso Fúria ser tão corajoso, apesar do tamanho, da fragilidade aparente. Choro, comovido, não aquela lágrima fácil, não a «lágrima de crocodilo», como alguns lhe chamam, apesar de eu nunca ter visto um crocodilo a chorar, estou certo de que, se o fazem, são sinceros na sua dor. Aliás, ainda não aprendi, com oito anos, que o Homem é o menos sincero dos animais. Mas aprenderei, acreditem que a vida me há-de contar essa história… Sim, pai, tenho estado a ver televisão. Vim até ao jardim aproveitar o sol desta tarde de Domingo. Eu e o meu amigo de quatro patas gostamos do sol e das tardes preguiçosas de Domingo. As lágrimas secam num instante. De qualquer das maneiras, eu, por esta altura, apenas sei que os animais são meus amigos. Desconheço que os mauzões dos filmes do Benji se multiplicam na realidade e às vezes ganham. Sou demasiado novo para saber que há quem não entenda esta irmandade entre animais: eu, o Fúria, o Benji, o Dique, o gatinho do vizinho, as vaquinhas que pastam no prado a caminho da escola, o periquito que canta, mesmo preso, os meus pais que se comovem com a minha comoção e o mundo inteiro… Nunca hei-de perceber como há quem não entenda esta ideia. Damon at 1:28 da manhã
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outras praias
where words come together as waves, blue and beautiful, dying in the whiteness, but repeating themselves like music notes, from sunrise to sunset to sunrise again. um livro: «Saudades de Nova Iorque», de Pedro Paixão. um filme: «Memento». um disco: «King of limbs», Radiohead. |