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segunda-feira, abril 14, 2003
O homem e a vela

Nunca tive muito jeito para manter as velas acesas. Do fundo da minha garganta emergia sempre de alguma forma um sopro que acabava por extinguir a fragilidade do seu lume. Para mal dos meus pecados, fui aquele que acabou por se apaixonar por uma vela. À falta de outra companhia, receoso de ficar no escuro. A história é esta.
Uma noite, faltou a luz. Vagabundo dentro de minha casa, tropecei em livros que tinha aos montes espalhados por todo o quarto, em substituição dos móveis e dos retratos de família. Encontrei-a, por estrear, dentro de uma gaveta onde também havia contas de supermercado, senhas de autocarro e uma caixa de fósforos. Como se a minha vida dependesse daquele gesto, empenhei-me ao aproximar o lume do fósforo do fio morto que me pedia vida. Quando acendia vela, a casa renasceu no movimento das sombras e eu sentei-me no espaço livre da cama, à espera de uma electricidade dona do mundo, inútil sem o seu brilho. Mal sabia eu que haviam de passar tantas horas até que o sol nascesse de novo nos candeeiros do meu quarto. Enquanto esperava, observei as suas linhas, o fio de suor mole que descia pela sua pele até secar na madeira da cómoda, solitário móvel, imóvel na sombra do quarto. Apaixomei-me. Verti lágrimas de estranho amor por aquele brilho, aquela luz que me beijava os olhos num reflexo quente. Deitava-me a observá-la derretendo-se por mim. A sua chama parecia mais forte, mais viva e colorida, dançava para mim mas nunca perdia a força, nunca deixava de ser sol, por muito pequena e frágil que fosse. Eu sorria, esquecido da ausência de electricidade. Até que, após adormecer embalado pela nudez da minha chama, acordei e ela tremia, cansada de uma noite inteira a iluminar, a não me deixar perder o sentido das coisas na escuridão. Tive medo. Medo de perder aquele amor, o mais brilhante, o mais frágil, o mais efémero... Aproximei-me e pedi-lhe que ficasse. Tremia por cada pedaço de brilho que sentia perder-se na noite. Pedi-lhe baixinho que não me deixasse. Verti lágrimas e por instantes a cera também me desceu pela cara abaixo. Continuei a implorar. Numa dessas preces, o sopro que a minha voz receosa soltou, teve a força do vento, e foi o pedido desesperado de que ficasse... que a extinguiu de vez. Já não havia fósforos que a trouxessem de volta.

Damon at 2:15 da tarde