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A avó Helena gostava muito da Páscoa. Era capaz de se levantar às sete da manhã, no domingo, para coordenar as operações de recepção ao Compasso que só viria por volta do meio-dia. Mas ela andava de um lado para o outro e eu, ouvindo os passos matinais dela no corredor, saltava da cama para a ajudar. Lá fora, colhiam-se pétalas de flores multicoloridas que se espalhavam pelo chão indicando o caminho aos homenzinhos vestidos com roupas engraçadas. Chateava-me vê-los a calcar as flores. Chateava-me vê-los destruir a beleza da nossa obra. Cá dentro, preparavam-se pratinhos com biscoitos e salgados e fatias de pão-de-ló que se punham na Sala das Visitas que praticamente só era aberta uma vez por ano, nesta altura. Eu gostava de dispor os biscoitos nos pratos, dando-lhes a forma de caras estranhas. Depois, esperávamos. Às vezes, eu pegava na bicicleta e ia ver por onde andavam os nossos amigos. Mal os via lá ao fundo, pedalava para casa a anunciar que estavam quase, e nunca deixava que me vissem antes de chegarem a minha casa. Dava-se valor a esses momentos simples, a essas ocasiões simbólicas que, para mim, puto que ainda sorria por ver nascer o sol, não eram religião, eram família. Lembro-me que a única vez em que as tendências anti-clericais do meu pai prevaleceram, fomos todos almoçar fora. Quando chegasse perto de minha casa, o compasso não teria flores que lhe indicassem o caminho e o portão estaria fechado e a casa vazia. Íamos no carro e duas caras separadas pela idade e unidas pelo espírito mostravam-se mais tristes do que as outras - a minha e a da avó Helena. Não tinhamos conseguido provar ao meu pai que aquilo não tinha nada de religião. Era família que aquilo queria dizer, era união e sorriso e um dia diferente no ano. Almoçámos num restaurante bonito e no rosto da avó Helena não havia o sorriso que lhe víamos em casa. Nesse ano, dois dias depois de eu ter completado 12 anos, a avó Helena faleceu. Desde então, o domingo de Páscoa é um dia em que a casa está fechada e nós vamos na estrada, a caminho de um qualquer restaurante, talvez fugindo das dores de cabeça que normalmente perturbam quem não tem a consciência tranquila. Damon at 6:20 da tarde
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outras praias
where words come together as waves, blue and beautiful, dying in the whiteness, but repeating themselves like music notes, from sunrise to sunset to sunrise again. um livro: «Saudades de Nova Iorque», de Pedro Paixão. um filme: «Memento». um disco: «King of limbs», Radiohead. |