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A mensagem demorou muitos meses a chegar, quase um ano. «O que é que tens, Carlos?», em letras pouco humanas no visor do meu telemóvel. Fez-me frio. Fez-me demasiado renitente. Não me apetecia responder à letra de uma máquina, à voz escrita de um bocado de plástico. Demoraste muito tempo a perceber que a vida acontece e nem sempre o faz para a frente. Às vezes, reverte-se o sentido das coisas, os ponteiros do relógio fazem inversão de marcha e nessa fuga apressada, há palavras que se perdem no contrário das horas, as Horas de Virginia Woolf e de Mrs. Dalloway. Não bastou o meu olhar demasiado cansado para vinte e dois anos, as minhas mãos pouco gastas a pedirem rugas, a pele frágil incaracterística de um moreno descascando as folhas como se de um outro outono se tratasse. Tens a carne intacta ainda. Dos teus seios ainda não jorrou alimento. Dos teus lábios ainda não saltaram palavras tristes de quem já lá esteve e percebeu. «O que é que tens, Carlos?». Estou aqui, onde devia estar, entre folhas de papel e pó e notas de música que nunca sobem para além do céu. Estou aqui, onde não me vês, hesitante entre a resposta que lerias se eu ta enviasse via sms e a que te estou a dar agora e que não vais ler porque não me conheces. Apetece-me dizer-te «vem cá se me queres conhecer, porque sei que não vais gostar, nunca gostas de homens sensíveis, és demasiado baixa para tocar as nuvens e sentir a chuva a cair-te pela cara abaixo, regando o teu corpo com maturidade.» Mas não o faço. Percorro datas que ainda hão de vir e percebo que as horas farão de ti uma mulher. Serás no futuro. Ainda não és. «O que é que tens, Carlos?». Basicamente, pouca coisa para além de ideias, pensamentos, paranóias, amigos e um amor presente que não posso oferecer. Basicamente, tenho um coração que discute a banalidade conjugal com um cérebro que reflecte a luz e a escuridão. Basicamente, tenho quem sou. E quem eu sou tu podes saber se vieres cá, passo aqui os dias a olhar o mar, o que quer que seja o mar. Duvido que gostes de mim quando cá chegares. Farás inversão de marcha como as Horas de Virginia Woolf e tudo será apagado. Damon at 7:17 da tarde
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outras praias
where words come together as waves, blue and beautiful, dying in the whiteness, but repeating themselves like music notes, from sunrise to sunset to sunrise again. um livro: «Saudades de Nova Iorque», de Pedro Paixão. um filme: «Memento». um disco: «King of limbs», Radiohead. |